quinta-feira, 18 de junho de 2009

Processo de criação do mural: Depoimento de D.J. Oliveira

Esse depoimento [1], de D.J. Oliveira, relata o passo-a-passo do processo de criação do mural da Universidade Federal de Goiás.

"Esse mural, no Colégio Universitário (Restaurante da UFG), foi o seguinte: eu, contratado pra fazer esses murais que, aliás, pra mim, foi um grande desafio, pra época, porque, eu posso dizer que nesse campo do mural eu não posso dizer que foi uma coisa que eu desenvolvi assim muito sozinho. Apesar da pouca experiência que eu adquiri, fora daqui, meu aprendizado, na minha juventude, fora daqui, quando eu estava em São Paulo... Mas como era uma área muito enorme, eu nunca tinha trabalhado numa área grande, pelo seguinte: o mural ele tem uma dimensão... Ele tem função, geralmente, ele tem a função de ilustrar aquela entidade que o representa. Pra mim, foi muito difícil porque, além da área ser grande eu era... Na realidade, não tinha nenhum tema pra ser feito. Foi pela primeira vez que eu me senti bastante angustiado em criar uma obra de arte, porque eu senti que era uma grande responsabilidade minha fazer um trabalho naquela altura, para a Universidade, em que o campo de cultura e de Ensino fosse contemplado. Foi bastante desafiante. Eu posso dizer que, todas as tentativas, nos estudos, que eu ia fazendo, nenhuma delas me traziam nenhuma satisfação, principalmente, no que se refere ao que está relacionado a ala do direito, de quem olha... De grande... Enquanto que a da esquerda não foi grande a dificuldade porque esta relacionada com a economia do Estado de Goiás, porque os meninos podem perceber que são os outros. O garimpo foi o que motivou a criação do Estado, que foi a descoberta de Goiás, através das bandeiras.












FIGURA 1 – Parte do primeiro Esboço do Mural da UFG, 1966.
Figura 2 – O Mural é Composto de 8 Células: 1(Mineração), 2(Agricultura), 3 (Pecuária),
Mural da UFG (D. J. Oliveira, 1966)As figuras acima e abaixo referem-se ao Mural original, feito em 1966



Logo em seguida ao da Agricultura, em seguida a Pecuária, esse até não foi difícil, inclusive, por ele ta ligado, porque até também é um restaurante. Mas... Os outros... Foi um desafio muito grande porque eu queria... Desejava ilustrar o ensino de cada Faculdade e cada vez que eu me dirigia á minha prancheta pra fazer meu estudo, nenhum deles me satisfazia. O tempo foi passando, o pessoal ia me cobrando o estudo, eu não conseguia fazer o estudo. Eu fiquei mesmo a ponto de desistir da execução do mural. Nunca me senti assim, com tanto problema pra executar um trabalho, como aquele, dado a minha responsabilidade e pelo local que eu ia fazer o mural. Mas eu me lembro que ele surgiu assim... Como todo grande trabalho de arte, a meu ver, ele deve nascer da experiência pessoal que a gente vive, da experiência que a gente tem com relação à vida, com relação com o que a gente faz. Foi, esse mural surgiu de uma maneira muito interessante! Após grande sacrifício. Eu já estava completamente desanimado, era um dia... Não me lembro qual, pra criar esse mural, me lembro que era exatamente neste mês de novembro e, de repente, o tempo ficava carregado (nublado) nessa época de versão. Chove muito! E, lá naquela época, lá em cima, na Universidade, não era asfaltado, não era nada, e até tinha muita casa de invasões, e o Mural surgiu assim. Eu falei: mas não é possível que nada vai me surgir. Eu saí olhando à janela, fora, observando, e vi que depois dessa chuva forte, então, eu notei que as crianças saiam pra rua, e entravam naquela casca de buriti e desciam enxurrada abaixo. Então, eu fiquei observando aquilo, várias horas, aqueles meninos brincado com aquilo, e ai que surgiu a idéia, entende? Eu falei, ta ai à minha frente, na minha vista: “brinquedos” de menino, brinquedos de crianças. Foi daí que me surgiu as idéias, então, eu comecei, evidentemente, baseado-me outra vez na minha própria experiência, na minha infância. Eu, então, simbolicamente, eu fui criando brinquedos infantis e cada um relacionado com cada faculdade. Foi a partir daquela observação, daquele momento, único, é que surgiram as idéias. Então, você nota o seguinte: no primeiro plano, você tem uma gangorra, que é aquele balanço sobre uma tábua, que os meninos se sentam, que tem nas pracinhas, nos jardins. Ali, então, aquela gangorra, pra mim, eu quis representar, simbolicamente, como se fosse uma balança, dirigida á faculdade de Direito. Em seguida, vem uma outra, digamos assim, vê se eu me lembro... Que é um menino, pegando uma bola, brincando com bola. São três crianças, brincando com a bola. Então, eu relacionei com a Filosofia, com lado das letras, com o pensamento. Depois vem um outro que são meninos brincando com bola de gude, que é uma brincadeira que a gente faz uma incisão no chão, aonde, então, a gente vai fazendo aquelas bolas de vidro... Eu dirigi aquele mural á Medicina. Depois tem um outro que são os meninos soltando “barrilê”, papagaio. Eu fiz dirigindo á faculdade de Artes, que é o sonho, que são aquelas fantasias que a gente teve. E, por último, aquele menino jogando peão, que eu fiz relacionado á Arquitetura e Engenharia.

E, por último, aquele menino jogando peão que eu fiz relacionado á Arquitetura e Engenharia, quer dizer, que, simbolicamente, os trabalhos surgiu assim. A partir daí, o maior sacrifício era realizar o trabalho, o mural é bastante difícil, muito complicado, mas como vocês vêem o problema, fundamental de uma obra de arte, é criar essa obra de arte e, muitas vezes, não adianta recorrer a uma série de conhecimentos, a uma série de pesquisas, feita através de cultura, feita através de livro, nada, porque são muito importantes as experiências da vida, de cada momento, que você vai vivendo. E, esse Mural, eu gosto muito dele por ter nascido, exatamente, no próprio ambiente que no momento eu estava vivendo, que era na Escola de Belas Artes, aonde eu tinha o meu atelier. Fui feliz, eu acredito, estão, lá, são bastante simbólicos, bem representativos.

Sobre o modo de execução e a técnica, fala D. J. Oliveira:

E, tanto a da Federal como o da Maria Auxiliadora, foi feito numa técnica que nós chamamos de afresco. Quer dizer, afresco é pintar sobre uma parede úmida, molhada, quer dizer a parede tem que estar fresca, pra ser pintada. É simples, é uma massa normal, de pedreiros, que ele fazem, com exceção que só não vai um elemento que é o cimento, é feito areia e cal. A gente prepara isso e são várias camadas de areia e cal, até que a última camada é mais cal do que areia porque na casa é cal que é o fixador. Na realidade, é muito simples, as cores são pigmentos, são tinta em pó, misturada na água, com água só e pintada diretamente sobre a parede, só que pintada enquanto essa parede continua úmida, daí a palavra pintura em afresco.


Sobre a Primeira Restauração do Mural:

E, ele passou por uma restauração porque é seguinte: O trabalho de Mural depende de uma série de problemas que ele tenha um grande futuro. Normalmente, a gente é contatada para este tipo de trabalho quando o edifício já está em andamento, então a gente encontra uma série de dificuldade, você não pode exigir tido, você já começa o trabalho com as paredes levantadas, muitas vezes não estão feitas como deve ser. E apesar de todo o cuidado que eu tive ele acabou apresentando alguns problemas, que nem está relacionado diretamente com o meu trabalho, aquilo já é um trabalho de estrutura do próprio edifício, eu restaurei foram as trincas que deu nas paredes, porque a estrutura do edifício, o edifício teve assim movimento intenso demais, talvez seja problema de engenharia, então deu trincas enormes nas paredes, ele trincou muito profundamente a ponto de gente enxergar do outro lado, você vê até a parte interior do edifício. Então, na realidade, o que eu fiz, mais lá, foi restaurar essa espécie de estajo. Enquanto que a pintura continuou tendo bastante resistência. Eu que restaurei, e mesmo porque nesse período que nos atravessamos um período negro da história do Brasil que foi de 1964 até o ano passado, então os estudantes faziam muito movimento até e muitas vezes eles sujaram, escreveram nas paredes e u também tive grande trabalho de ter que restaurar aquilo.

E, houve um período no Brasil que as Artes Plásticas estavam muito ligada á Arquitetura e talvez nesse último 20 anos, não sei, mas teria com você explicar pra gente ou não, porque não acontece mais isto, por exemplo, está construindo ali, o Governo está construindo um edifício ali imenso, o Palácio da Justiça e não se deixou, por exemplo, um espaço reservado para um mural ou escultura, enfim, está havendo uma certa desvinculação...

Bem, o problema é assim um pouco difícil de explicar pelo seguinte, eu acredito que a arte depende de momentos culturais que se vive. Eu acredito que Goiás está vivendo em momento cultural assim muito difícil, estamos passando por um período de transição político, de Governo, a gente nunca sabe o certo se é porque os governos estão interessados na política ou não, mas, de qualquer forma eu possa te dizer que a arte sempre teve ligado á Arquitetura, ela nunca teve, assim, separada, de qualquer forma, principalmente no campo de mural, o mural é uma coisa totalmente ligada á Arquitetura, porque quando eu fui professor na escola, durante meu tempo de professor na escola, isso ai era normal, naquele tempo a gente ensinava a maneira de aplicar mural junto com a arquitetura. E, se hoje isso não ta acontecendo é porque, entende? Nós estamos passando umas fazes assim muito difícil, eu acho que isso é questão mais de cultura.


Células 4 (Gangorra), 6 (Soltando Pipa), 7 (Bola de Gude).
Existe um pouco a questão de custo também, nisso. Eu acho que, por exemplo, quando se desenvolve um projeto de arquitetura, através de determinados elementos decorativos, é que se abre. Vamos produzir um painel numa fachada, por exemplo, mas, eu acho que inviável ainda contratar um artista plástico pra desenvolver um painel, porque eu não sei embora em termos de custo, mas é uma coisa que se tornou bastante eletrizante vamos dizer, assim, quem pode mandar contratar um profissional pra decorar em projeto.

É, difícil, sim, eu posso dizer pra você o seguinte: todos os murais que eu executei até agora eu posso dizer que nenhum deles não deu lucro. Muita gente pensa que, todo esse trabalho que eu fiz na área de mural, se for somar todos em metros quadrados (M2) eu acho que eu devo ter uma questão de 1.200 M2 de murais pintados em Goiânia, só na Maria Auxiliadora tem 164 m2, o da Universidade lá em cima lembro ao todo dá quase 200 m2; ajuntando com os demais, eu vou dizer que eu pintei aqui pelo menos de 1.000 a 1.200 m2de murais, de painéis, os que estão presentes, em dizer o que já foram destruídos que foi uma média de 6 a 8 murais que foram destruídos.

Nenhum deles me trouxe nenhum lucro, eu trabalhei apenas como um artesão, melhor pago, como um operário melhor pago, porque na realidade se for computar, cobrar o que vale, é um trabalho bastante caro, mas eu acho que isso não tem nada de ver, porque eu acho que +e uma obrigação dos Órgãos Estaduais do Governo arcar com essas despesas, pagar, porque pode dizer que é bastante caro evidentemente, mais há muita coisa que é aplicada, nossas obras que muitas vezes que nada tem de ver entende, que esse dinheiro poderia muito bem ser revertido pra se contratar os artistas, os artistas pra poder fazer o trabalho.

É, exatamente quando eu tentei colocar a integração da arte coma arquitetura, naturalmente estaria voltado pras obras públicas, porque naturalmente a população no estado de carência, em que se encontra, torna-se um luxo, infelizmente a arte hoje, torna-se luxo, não se consegue fazer uma casa.

É, isso também depende de em obras publicas, por exemplo, eu não sei qual o trabalho assim importante que tenha feito eu termos obras publicas, dirigido pelo Governo aqui. (não entendi)

É, infelizmente me parece que o atual pensamento não gira em torno disso, o que traz bastante dificuldade, você pode ver que todas as grandes obras que eu fiz aqui em termos de mural pelas são todas elas obras particulares, evidentemente que houve um pouco de sacrifício da minha parte como houve da partes deles, por exemplo, no contrato desse Mural na Maria Auxiliadora, eu falei para as freiras que eu ai apresentar um orçamento na base do custo, e particularmente sem eu ter grandes lucros, pelo menos o suficiente pra poder trabalhar então eu acabei, que pra época já era muito por baixo, depois que elas somaram aquele m2 quadrado, elas disseram pra mim que era impossível executar esse trabalho porque com esse dinheiro e um pouco mais nos construímos outro colégio. Paredes levantardes, muitas vezes não estão feitas como deve ser. E apesar de todo o cuidado que eu tive ele acabou apresentado alguns problemas que nem está relacionado diretamente como meu trabalho; aquilo já é um trabalho de estrutura do próprio edifício; eu restaurei não foi à pintura que eu fiz, eu restaurei foram às trincas que deu nas paredes, porque a estrutura do edifício, o edifício teve assim meu movimento intenso demais, talvez seja problema de engenharia, então deu trincas profundamente a ponto da gente enxergar do outro nas paredes, ele trincou muito profundamente a ponto da gente enxergar do outro lado, você vê até a parte interior do edifício. Então, na realidade o que fiz mais lá foi restaurar essa espécie de estágio. Enquanto que a pintura continuou tenho bastante resistência. Eu que restaurei, e mesmo porque nesse período que nós atravessamos um período negro da historia do Brasil que foi de 1964 até o ano passado, então os estudantes faziam muito movimento ali e muitas vezes eles sujaram, escreveram nas paredes e eu também tive grande trabalho de ter que restaurar aquilo.

É, houve um período no Brasil que as Artes Plásticas estavam muito ligada á Arquitetura e talvez nesses ultima 20 anos, não sei, mais, teria como você explicar pra gente ou não, porque que não acontece mais isto, por exemplo, está se construindo ali, o Governo está construindo ali em edifício imenso, o Palácio da Justiça e não se deixou, por exemplo, um espaço reservado para um mural ou escultura, enfim, está havendo uma certa desvinculação...

Bem, o problema é assim um pouco difícil de explicar pelo seguinte, eu acredito que a arte depende de momentos culturais que se vive. Eu acredito que Goiás está vivendo um momento cultural assim muito difícil, estamos passando por um período de transição política, de Governo, a gente nunca sabe o certo se é porque os governos estão interessados na política ou não, mas, de qualquer forma eu possa te dizer que a arte sempre teve ligado, á Arquitetura, ela nunca teve assim separada, de qualquer forma, principalmente no campo de mural, o mural é uma coisa totalmente ligada á Arquitetura, porque quando eu fui professor na Escola, durante meu tempo de professor na Escola, isso ai era normal, naquele tempo a gente ensinava a maneira de aplicar mural junto com a Arquitetura. E, se hoje isso não ta acontecendo é porque, entendemos, nós estamos passando umas fazes assim muito difícil, eu acho que por isso é questão mais de cultura.
Existe um pouco a questão de custo também, nisso. Eu acho que, por exemplo, quando se desenvolve um projeto de arquitetura, através de determinados elementos decorativos, é que se abra, vamos produzir um painel numa fachada, por exemplo, mas, eu acho que pra grande parte da população seria meio inviável, muito mais plástico pra desenvolver um painel, porque eu não sei embora em termos de custo, mas é por ai vocês podem saber um que base eu executei esse mural.

Eu executei porque é o tal negocio, a gente tem uma certa responsabilidade e mesmo não é só a responsabilidade, eu acho que essa coisa me querer permanecer, de querer fazer, de querer mostrar até aonde a capacidade da gente vai e também a gente acha que isso é uma forma de qualquer maneira, da gente dar uma contribuição em termos culturais pra cidade e também um pouco do amor do próprio trabalho, eu diria que até, eu diria que amor á própria vaidade, supera a se mesmo, e isso exige bastante sacrifício, esse foi realmente um grande sacrifício porque você vê pelo que eu disse antes que elas argumentaram que elas construíram com outro Colégio, nessas alturas, você vê como eu teve que retroceder pra poder fazer o trabalho, na realidade o trabalho não me deu prejuízo, mas fui pago como um bom artesão, como um operário um pouco mais graduado, mas o que eu achei muito importante foi dar essa contribuição, fazer esse trabalho."
[1] OLIVEIRA, D. J. Palestra proferida pelo artista plástico DJ Oliveira intitulada Projeto reflexão e busca. Prefeitura de Goiânia, Secretaria Municipal de Cultura, Museu de Arte de Goiânia. Goiânia, 25 nov. 1985.

Um comentário:

  1. Restauração:estão recuperando um grande monumento historico,Dj oliveira foi um grande homem.
    E pra mim sempre será.

    ResponderExcluir